O Dia das Mães, no Brasil, é comemorado oficialmente há pelo menos 93 anos. O Dia das Mulheres, por sua vez, apenas há 50 anos, ainda que tenha origem em 1917, durante a Revolução Russa. A distância entre as datas de oficialização das comemorações refletem, nas entrelinhas, o que mulheres já sentem cotidianamente: antes de serem mulheres, elas são mães. Ou, ainda, que elas só se tornam mulheres após se tornarem mães.
A maternidade, podendo ser um sonho espontâneo, se tornou uma condição para a existência da mulher no mundo. Das expectativas à solidão, as mães vivem realidades expressivamente menos romantizadas do que as que esperam delas – encontram na maternidade um novo motivo para viver, mas, por outro lado, perdem uma individualidade que é anulada pela sobrecarga, abandono e julgamento.
Em 2022, a Fundação Getúlio Vargas publicou uma pesquisa revelando que, naquele ano, o número de mães solo já ultrapassava 11 milhões – e mulheres pretas e pardas representavam 90% deste grupo. A maternidade solo não se configura apenas pela ausência do genitor, mas também pela solidão enfrentada pelas mulheres que são inteiramente responsabilizadas pela criação do(s) filho(s).
O que, então, se comemora no Dia das Mães? Quais as idealizações sobre a maternidade já não correspondem mais com a vivência das mulheres-mães? Quais são as maternidades não vistas?
Com a chegada anual da data, fica latente a necessidade de ouvir as questões que afligem mulheres que vivem múltiplos desafios maternais, inclusive os que ultrapassam a ausência da figura paterna.
A auxiliar-administrativa Rita Mônica Nascimento, de 48 anos, é mãe de três meninas e vive a maternidade solo desde a gestação, que foi descoberta logo após o fim do relacionamento com o genitor. Rita explica que esse rompimento, em um momento tão vulnerável, fragiliza inclusive a saúde mental da mulher, que se torna responsável por duplas ou triplas jornadas de trabalho.
“Você está num relacionamento, engravida e de repente você se sente sozinha, sem apoio, sem perspectiva… E os pensamentos que vêm são muitos: ‘O que eu faço agora? De que forma eu vou constituir um filho? Como eu vou criar, educar?’… Enfim, mil e uma coisas se passam na cabeça de uma mãe quando ela se encontra sozinha e grávida de um filho.”, conta Rita.
A insegurança em lidar sozinha com a criação de um ser humano vem acompanhada de outro trabalho invísivel: mulheres são as principais responsáveis por realizar as tarefas domésticas. O estudo ‘Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil’, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2024, constatou que, em comparação com os homens, mulheres se dedicam quase 10 horas a mais por dia aos cuidados com outras pessoas e aos afazeres domésticos.
Trabalhar fora, cuidar dos filhos e ser responsável pelas demandas da casa já é uma realidade duramente conhecida pelas brasileiras. A sobrecarga se torna ainda mais latente quando, além da ausência paterna, a mulher precisa encarar a falta da rede de apoio de modo geral. Em alguns casos, até mesmo a faixa etária da mulher se torna um motivo para o julgamento externo acontecer.
A professora de biologia Sani Santos Gomes, de 51 anos, é mãe de quatro filhos e relata que sua maternidade, além de solo, também foi impactada pela idade em que duas das suas gestações ocorreram. Sani viveu o que é chamado de maternidade tardia, ou seja, quando a gravidez ocorre após os 35 anos. A professora, que teve um filho com 39 anos e outro aos 41, conta que, além das dificuldades biológicas, não possuiu uma rede de apoio e que o estigma em relação a sua idade também refletiu nisso: “A maternidade tardia é muito impactante. Eu não sou e não tenho a energia da mãe que eu fui aos 20, 27 anos. (…) Até biologicamente é bem difícil. Uma das coisas que é difícil ser mãe solteira e mãe depois de certa idade é que você parece que tem menos apoio, porque você parece ser uma pessoa mais madura. O pai dos meninos, por exemplo, não dá apoio nenhum, nem emocional, nem financeiro, meus filhos praticamente não conhecem ele”.
Sani explica que a rotina de trabalhar fora para sustentar financeiramente a família, ser a única responsável pelo cuidado com os filhos e familiares próximos, como a sua mãe, e a falta de políticas pública voltadas para maternidades vulnerabilizadas recai diretamente na sobrecarga mental:
“Eu gostaria que tivesse algum meio de uma mãe solteira ter uma creche pública para deixar o filho o dia todo, uma escola pública de qualidade para deixar o filho o dia todo naquela escola, para poder trabalhar em paz. Porque quando você não tem essa rede de apoio de deixar o filho no lugar em que você possa trabalhar despreocupada, você trabalha preocupada o dia todo. Além de você ter que deixar eles, você tem que trabalhar muito para levar muito dinheiro para casa, porque você tem que alimentá-los também, tem que dar roupa, tem que dar uma qualidade de vida para eles… E aí não sobra energia para curtir o filho”.
A professora de Língua Portuguesa Maria Beatriz Ferreira Celestino, de 53 anos, compartilha uma vivência similar. Ela viveu a maternidade tardiamente, porém, por meio da adoção, o que exigiu uma maior reflexão sobre como esse processo se daria de forma mais consciente, responsável e sem preconceitos.
Maria Beatriz esperou 5 anos pelo nascimento de seu tão desejado filho, que veio menos de um mês antes do isolamento social decorrente da Pandemia da Covid-19 se estabelecer no Brasil. A professora explica que, desde o cenário pandêmico, ela move esforços para proporcionar uma criação diferente para seu filho, ainda que na ausência do pai:
“Hoje me vejo muito sobrecarregada no que diz respeito aos cuidados com meu filho, a dedicação que ele merece e ao que a idade dele exige. E ressalto que por eu escolher evitar o uso de telas, requer uma atenção especial, como fazer passeios diversos que ele possa gostar, levá-lo mais a parques, inventar brincadeiras, dar vazão à criatividade, a interação. Além disso, ainda não consigo praticar uma atividade física para cuidar da minha saúde. (…) Mesmo ele convivendo com o pai quinzenalmente, em finais de semana, não tenho, efetivamente, o compartilhamento das responsabilidades e dos cuidados, o que torna a rotina mais desafiadora”.
Atualmente, divorciada há dois anos do pai da criança, Maria Beatriz conta que, mesmo quando havia presença paterna, sua maternidade foi marcada pela atribução desigual de responsabilidades e pela tentativa de culpabilizá-la pela dedicação à carreira profissional: “Nesse intervalo, passei no Mestrado em Educação, algo que eu também buscava para me firmar profissionalmente. Na ocasião, já estudando, ouvia do pai de meu filho que eu estava deixando de ser mãe por estudar, sendo que eu cuidava da alimentação de meu filho, dava banho, lia todas as bulas de remédio e lia muita coisa relacionada ao desenvolvimento da criança, além de fazer a limpeza da casa e a comida para nos manter. A minha impressão é que o trabalho diário era totalmente invisibilizado e me sentia mais incentivada a estudar para compreender melhor o mundo que se descortinava para mim e o meu filho”.
Essas histórias, ainda que singulares e com suas particularidades, revelam a experiência coletiva que mulheres têm com a maternidade: serão sempre elas as primeiras a abdicarem de suas individualidades para viver pelos(as) filhos(as). Essa abdicação, no entanto, não é um movimento voluntário da mulher, mas uma condição injusta imposta para o reconhecimento do seu valor.
Entender o cuidado com o outro como uma tarefa comunitária, e não individual, permitirá que mulheres desejem a maternidade enquanto sonho, e não como uma obrigação, e que as pessoas ao redor também sejam atravessadas pela transformação afetiva que uma criança pode proporcionar.