Revista Vertigem

O que não te disseram sobre o que você já ouviu

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O que há de novo na Guerra Comercial entre os Estados Unidos e a China

Economista afirma que sanções norte-americanas podem ser um tiro no pé devido à dependência de produtos chineses na cadeia de suprimentos

Victoria Ferro

25/04/2025 às 12:55h

A Guerra Comercial entre a China e os Estados Unidos mostrou novos contornos nos últimos dias. Na primeira edição da Vertigem, o tema foi trazido em tom explicativo, buscando compreender o que era a Guerra Comercial, de qual maneira a economia do Brasil poderia ser afetada pelo conflito e como ele poderia comprometer as respectivas parcerias econômicas entre o Brasil e as nações envolvidas. Até aquele momento, os indícios de disputas e retaliações eram apenas previsões. 

O mês de Abril foi marcado por uma série de barreiras econômicas aplicadas por ambos os países, em uma disputa que se assemelha a uma “queda de braço”:

Primeiro ato: Donald Trump impôs tarifas de mais de 100% sobre os produtos chineses que potencialmente poderiam entrar nos EUA. Em retaliação, na mesma semana, a China, além de fazer uma declaração de que não iria ceder às pressões impostas pelo país norte-americano, respondeu com a imposição de uma taxa de 84% sobre os produtos estadunidenses que entrariam no país a partir dali. 

Segundo ato: O presidente norte-americano anunciou a elevação das taxas a um percentual de 145%. Mais uma vez, como resposta à nova retaliação, a China anunciou uma taxa de 125% aos Estados Unidos. 

Terceiro ato: Como uma cartada desesperada, o governo estadunidense declarou a taxação de produtos chineses em 245%, no entanto, sem uma explicação plausível ou cálculo que justificasse o aumento exponencial das taxas, além de um discurso ultranacionalista e enviesado de protecionismo do mercado interno, acompanhado pelo antigo discurso de “prevenir uma possível ameaça à segurança nacional”.

Buscando compreender melhor o sentido de uma disputa tão áspera pela hegemonia do mercado mundial, o economista e investidor Guilherme Zorzal novamente respondeu a alguns questionamentos trazidos pela Vertigem a respeito do assunto, onde a pauta principal buscou focar nas ações de grandes empresas diante do conflito, nas economias internas dos países envolvidos na disputa, e até onde esse conflito poderia se arrastar.

O economista afirma que, ao se considerar o mercado global e, consequentemente, as cadeias de produção que também se inserem na dinâmica da globalização – onde partes isoladas de uma mercadoria possuem origem em diversos países até que se chegue ao produto final – as trocas de taxas observadas no decorrer do conflito podem prejudicar as multinacionais. O exemplo mais recente e imediato foi observado no caso Apple, que teve uma queda de mercado de 20% no valor de suas ações desde o início da disputa de taxas promovida pela guerra comercial. Apesar da sede corporativa da Apple se situar nos Estados Unidos, a fabricação das peças utilizadas para a produção dos equipamentos eletrônicos e a linha de montagem da empresa estão situadas na China. As taxas inviabilizam a continuidade desse modelo de produção. 

Considerando o cenário proposto por ambas as nações, na hipótese do conflito se sustentar, a forma que os EUA teriam para contornar a dependência de produtos e mão-de-obra chineses seria estruturar uma indústria interna 100% estadunidense, contratando trabalhadores do próprio país, produzindo peças na própria indústria com as matérias-primas disponíveis e seguindo as legislações de meio-ambiente nacionais. Isso acarretaria no aumento exponencial do preço das mercadorias, tornando o bem de consumo menos acessível e, consequentemente, diminuindo a demanda de mercado.

No caso da China, também foi observada a queda de ações de suas empresas, demonstrando a fuga de capitais. Considerando a sua força interna, que exporta mais do que exporta – diferente dos EUA, que é mais dependente das importações chinesas do que o contrário – ainda que o país certamente também sofreria com as sanções impostas pelos Estados Unidos, o mercado interno chinês possui vantagem em relação ao custo da produção nacional, especialmente pelo baixo valor da mão-de-obra, tornando as farpas comerciais um pouco menos danosas ao seu sistema econômico. Mesmo que a China sofra com a perda de um mercado de cerca de 500 milhões de consumidores, – como é o caso da sua relação com o mercado norte-americano – ou tenha uma alta nas taxas de desemprego em decorrência dessa potencial perda, o país possui um maior poder de resposta a crises, apostando na movimentação de seu mercado interno para se reestruturar, além de possuir elos e parcerias comerciais fortes com outras nações. A China possui meios e estratégias de promoção de sua economia por meio da diplomacia, apostando na inserção de acordos de benefícios mútuos com seus parceiros comerciais, diferenciando-se da política econômica trumpista, que se apoia na pressão a outras nações com acordos que beneficiam unilateralmente os Estados Unidos.

Zorzal afirma que, apesar dessa diferença entre os modos de estabilização econômica das nações envolvidas na guerra comercial, as quedas de ações de grandes empresas, tanto da China, quanto dos Estados Unidos, são vistas pelo mercado global como um risco de recessão na integração com outros países, podendo ser uma possível causadora de danos em economias de diversas nações, especialmente ao se considerar o tamanho de ambos os mercados na dinâmica da integração global. A guerra comercial no cenário internacional provoca desvio de comércio, ruptura de canais e suprimentos, e aumento da ineficiência, sendo capaz de gerar o encarecimento de produtos mesmo em países que não estão diretamente envolvidos no conflito.

A respeito da continuidade do conflito e as sucessivas retaliações, a China fez uma declaração, afirmando que não irá mais responder às investidas dos Estados Unidos com o aumento de suas taxas. De acordo com Zorzal, essa afirmação do governo chinês visa buscar uma melhor solução para a resolução do conflito, apostando no isolamento das relações comerciais com os EUA como uma medida mais viável do que um “leilão” de qual país impõe as maiores sanções ao outro. 

Ainda que Trump continue a aumentar as taxas como forma de pressionar a China a fazer o que é de sua vontade, o governo chinês já deixou claro que não vai ceder às investidas de desestabilização dos Estados Unidos. Nesse sentido, a China já tomou como medida a venda de várias dívidas públicas dos Estados Unidos, aproveitando a atual fragilidade do país norte-americano como uma chance de se fortalecer no mercado global.

Relativo às medidas adotadas pelo governo dos Estados Unidos, a Casa Branca declarou que vai afrouxar as sanções quando necessário, especialmente para não prejudicar seus aliados, como foi o caso das tarifas que atingiram o México e o Canadá nesse meio tempo. Um bom exemplo disso foi o anúncio público de Trump, que recebeu forte atenção midiática, onde o presidente afirmou que iria impor taxas para todos os países do mundo e, dias depois, anunciou que pausaria as tarifas por 90 dias. Isso demonstra a instabilidade nas decisões dos Estados Unidos no segundo governo de Donald Trump.

Considerando o atual cenário da guerra comercial e suas constantes atualizações, Zorzal prevê que uma possível medida para que os EUA tentem se estabilizar seria o uso da sua velha política de pressão a países ao redor do mundo, por meio de coerções que visam isolar a China das relações comerciais globais. Mesmo que haja esse tipo de investida por parte dos Estados Unidos, um cenário de isolamento da China parece um pouco distante, tendo em vista as recentes trocas comerciais já pré-existentes entre a nação chinesa e os seus aliados do BRICS, além de novos acordos com os países europeus na fabricação de carros elétricos, por exemplo – que tende a impactar o mercado de carros elétricos dos Estados Unidos, como já havia sido visualizado com a queda de vendas da Tesla no último ano.

De todo modo, o fechamento maior dos mercados com os acoplamentos, tanto do lado dos EUA, quanto do lado da China, força a cadeia reprodutiva a se relocalizar, evitando o envolvimento de ambos os países em uma nova dinâmica de produção. Isso impactaria diretamente no valor dos bens de consumo, apresentando um aumento significativo e comprometendo o crescimento global.

Por fim, Zorzal reitera que, apesar da política protecionista visar o reforço da indústria local, ela não é uma medida simples, pois em uma dinâmica econômica globalizada, mesmo a indústria local depende de outras indústrias para funcionar.

O economista ainda cita que “o ponto mais relevante em uma guerra comercial é observar qual país perde menos, e não qual deles ganha mais. É muito mais viável buscar parcerias comerciais. A busca do protecionismo sempre implica em perdas e outros problemas para ambos os lados envolvidos, promovendo de fato uma situação similar a uma guerra. No fim das contas, quem vence é o país que menos tem perdas.”