A estratégia será levada à COP 30, por lideranças indígenas, a fim de reforçar a soberania e importância dos povos originários, mas ainda se choca com interesses do agronegócio.
A 30° Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, também conhecida como COP 30, acontecerá em novembro de 2025 na capital do Pará. O evento tem como objetivo reunir líderes de nações, ambientalistas, cientistas e outros atores importantes no debate climático para discutir medidas de combate e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Belém será palco para a maior conferência climática do mundo e o Brasil, como país sede, representa uma importante liderança na condução do debate, devendo posicionar-se favorável ao desenvolvimento sustentável.
Muitos pontos importantes para a discussão climática já estão incluídos na agenda do Governo Federal, como o grande potencial de transição energética oferecido pelo Brasil, o financiamento climático para países em desenvolvimento e a aplicação de tecnologias de energia renovável, que contribuem para a redução dos impactos ambientais causados pela dependência da exploração de petróleo, por exemplo.
Embora seja considerado na discussão ampla do assunto ao se tratar de preservação de florestas e biodiversidade, ainda apresenta-se urgência à uma pauta de extrema importância à conferência climática que abarca um potencial revolucionário, considerando principalmente a permanência dos povos originários: a demarcação de terras indígenas. A proposta conduzida pela Coiab, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, busca estabelecer um número de terras indígenas a serem demarcadas até 2035. Este número, deverá ser incluído na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) – compromisso selado pelos países integrantes do Acordo de Paris que estabelece medidas para redução dos gases de efeito estufa – a fim de destacar, reconhecer e oficializar o papel da comunidade indígena no enfrentamento da crise climática.
Em novembro do ano passado, durante a COP 29 no Azerbaijão, o Brasil atualizou a NDC e estabeleceu o compromisso de reduzir as emissões de gases-estufa no país de 59% a 67% até 2035. No entanto, ainda não foram divulgados detalhes sobre as estratégias para o alcance desse objetivo, o que potenciou o estímulo das lideranças indígenas na tentativa de inclusão da meta ao documento.
Durante o evento, a ministra Marina Silva destacou a convergência entre o sucesso da NDC e o desenvolvimento econômico do país. Segundo ela, “Mais do que um número, um percentual, uma meta, temos aqui um novo paradigma para o desenvolvimento econômico e social do nosso país”.
Apesar da elaboração do documento ter sido feita considerando as tecnologias disponíveis para um desenvolvimento sustentável, se vê necessário destacar o tipo de produção comum ao território brasileiro: a exportação de commodities agrícolas, que dependem da potente exploração do solo e recursos hídricos.
Segundo o levantamento do centro de estudos Insper Agro Global, o Brasil se tornou o maior exportador de commodities do agro no mundo, superando até mesmo os EUA e atingindo um valor de 137,7 bilhões em 2024. As commodities do agro englobam commodities agropecuárias e agroindustriais, sendo elas: carne bovina e produtos derivados,biodiesel, cacau, café, milho, algodão, etanol, produtos florestais (madeira), couros e peles, aves (exceto ovos), leguminosas, arroz, óleo de soja, soja (em grão), trigo, entre outros.
Todos estes produtos geram impactos diretos no meio ambiente visto que dependem de grandes pedaços de terras para cultivo (que destaca o aumento do desmatamento), uso intensivo de agroquímicos, altos níveis de recursos hídricos e usabilidade excessiva do solo (que revela o prejuízo atrelado à monocultura).
Em entrevista concedida ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a pesquisadora de pós-doutorado do Trade-Hub e professora da Universidade de Brasília, Susan E. M. Cesar de Oliveira, destaca os impactos à biodiversidade mediante a produção de commodities agrícolas. “A produção de commodities comercializadas globalmente é uma das principais causas de desmatamento, conversão de vegetação natural, perda de habitat e biodiversidade. No Brasil, não apenas a floresta amazônica está em risco – o rico bioma do Cerrado tem sofrido impactos severos devido ao cultivo em larga escala de soja e criação de gado. [..] A complexidade das cadeias de suprimentos globais e as dificuldades inerentes a mensurar o valor da biodiversidade e seus impactos dentro das cadeias de suprimentos são alguns dos desafios para tornar essas conexões ainda mais explícitas e encontrar soluções aplicáveis.” afirma a pesquisadora.
Neste sentido, apesar da permanência legal dos povos originários em terras demarcadas garantir a preservação dos biomas, impedir o desmatamento ilegal, aprisionar gases do efeito estufa e prevenir o uso indiscriminado de agrotóxicos nas produções agrícolas, reflete apenas uma medida paliativa direcionada a um problema de nível internacional. A convivência respeitosa das comunidades indígenas com a fauna e flora bate de frente com os interesses lucrativos das nações, guiadas por políticas de consumo excessivo e frutos do capitalismo.
O professor, antropólogo e presidente da ANAÍ – Associação Nacional de Ação Indigenista, José Augusto Laranjeiras Sampaio afirma que os povos indígenas não podem ser responsáveis por um problema da humanidade e destaca o baixo impacto da estratégia mediante modelo econômico predatório estabelecido no Brasil desde o período colonial.
“Não adianta se tem marcação das terras indígenas, claro que é importante, importantíssimo. Mais do que importante, é uma obrigação legal do país. Está na Constituição, tem que demarcar. É um direito dos povos indígenas, mas não adianta apenas demarcar terras indígenas se elas continuarem cercadas de destruição por todos os lados. Todo esse contexto de destruição vai acabar fazendo pressão sobre elas, como já acontece.” explica o professor.
A resistência política e institucional no reconhecimento de terras demarcadas como aliadas na luta contra as mudanças climáticas expõe a contradição dos interesses sustentáveis e econômicos de uma nação, não necessariamente propositais mas constantemente guiados pela pressão de grandes empresas e até da sociedade. Além disso, a presença de ruralistas no Congresso Nacional garantem que os interesses do agronegócio sejam sempre atendidos, favorecendo o setor rural e a produção agropecuária, transformando os territórios nacionais em verdadeiros campos de batalha internos e destacando o compromisso falho do país com suas próprias metas climáticas.
“O Brasil vive de quê? De gastar o seu território com agroindústrias altamente predatórias, destrutivas de solo, de ambiente e de vida, mas vive de produzir isso no mercado internacional. Embora a produção para o mercado internacional seja o que gera dividendos de exportação para o país, ela tem um custo ambiental e social. São produtos que para serem produzidos, você desgasta solo, desgasta água, consome muita eletricidade, concentra a renda, que é outro problema social grave, porque concentra renda na mão de poucas pessoas. É um modelo que está aí há 500 anos, que continua devastando o país e que por isso continua pretendendo avançar sobre áreas ainda não exploradas.” conclui José Augusto, presidente da ANAÍ.