Revista Vertigem

O que não te disseram sobre o que você já ouviu

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Cultura para todos e a dinâmica do “Pão e Circo”

Termo é frequentemente usado para se referir a realização de shows internacionais gratuitos pela prefeitura do Rio de Janeiro.

Lorenna Soneghetti e Pablo Rocha

20/05/2025 às 21:56h

O dia 3 de maio de 2025 ficará marcado pra sempre na história do Rio de Janeiro. A cantora norte-americana Lady Gaga, no auge de seus 39 anos, foi responsável por protagonizar um show gratuito com o maior número de espectadores presencialmente: de acordo com as autoridades presentes no local, 2,1 milhões de pessoas estavam em Copacabana nessa noite. Esse número é 6,5 vezes maior que a população de Vitória, a capital capixaba. Apesar da repercussão positiva e do fluxo intenso de turistas no Rio em plena baixa temporada, esse show levantou uma dúvida que é frequente quando se fala em cultura gratuita: Esses espetáculos gratuitos são feitos para distrair a população?


Pão e circo, tradução brasileira para Panem et Circenses, é uma expressão usada para se referir a um momento no império romano em que se faziam grandes espetáculos e distribuição de comida para disfarçar e distrair os menos afortunados dos verdadeiros problemas sociais. Esse termo está sendo relacionado ao show com a justificativa que teriam problemas maiores a serem combatidos na cidade do Rio de Janeiro, e que o dinheiro destinado ao “Gagacabana” poderia ter sido direcionado para outras demandas da cidade. O vereador paulista Rubinho Nunes (União Brasil), que se elegeu com a promessa de combater bailes funk e ‘pancadões’ da cidade, usou o termo nas redes sociais para tecer críticas ao uso do dinheiro público para o show.

Foto: reprodução/twitter

‘Gagacabana’ em números 

O investimento público, do Governo do Estado do Rio de Janeiro e da capital fluminense, foi de R$30 milhões de reais. Juntando com os diversos patrocínios, o valor do investimento chegou a 92 milhões de reais. Esse valor é 6,5 vezes menor que o  impacto monetário do evento: estima-se que cerca de R$600 milhões de reais foram arrecadados. A economista Sandra Bortolon relatou em entrevista que a utilização do dinheiro público em shows como o de Lady Gaga não se enquadra como desperdício de verba, uma vez que, reforça a ideia de levar a arte para uma parcela da população que possui pouco ou nenhum acesso a espetáculos desse estilo.

Ao levar em consideração o aporte financeiro do show de Gaga, é nítido que o dinheiro público investido voltou aos cofres da prefeitura e do governo e podem ser redistribuídos em diversos setores. No entanto, nem todos os eventos gratuitos trazem o mesmo retorno: Os shows gratuitos do cantor Gusttavo Lima são alvo de investigações há mais de 3 anos.

O artista sertanejo foi contratado diversas vezes para fazer shows gratuitos em cidades pouco turísticas e com menos de 50 mil habitantes. O que é alvo de denúncias nesses contratos é o cachê estrondoso cobrado pela presença do cantor: mais de 1 milhão de reais em cidades que não possuem esse valor na verba destinada à cultura. É o que aconteceu em 2024, no município baiano Campo Alegre de Lourdes, onde o cantor cobrou 1,3 milhões de reais para a apresentação.

Cultura é supérfluo?

A existência de shows gratuitos para população se mostra importante quando a cultura e a arte chegam em pessoas que não teriam condições financeiras de participar desses eventos se eles fossem pagos, “Esses festivais movimentam a economia local, atraem os olhares para as cidades e dão oportunidade para todas as pessoas terem acesso a cultura, arte e a diversão”, é o que diz a turismóloga, Andressa Matos.

 O estudante Victor Bomfim se emociona ao lembrar de tudo que viveu em terras cariocas e acredita que a experiência não seria a mesma se o show não fosse gratuito “É algo simplesmente surreal e que eu vejo como uma experiência única na vida.” relata o fã.

O Espírito Santo tem recebido um boom de eventos musicais gratuitos, como o TendaLab, o Delírio Tropical e o Movimento Cidade. Esses festivais levam a cultura capixaba para a população e contribuem para a circulação do turismo local que teve um aumento de 4,1% em junho, sendo o segundo maior percentual do ano, enquanto o Brasil teve crescimento de 3,4%, de acordo com o IBGE. O valor do investimento cultural pelo governo estadual ultrapassou os 30 milhões em 2024. Em 2025, o valor total do investimento chega a 58 milhões. Esses números provam que o apoio a cultura gratuita não é só o cumprimento de um direito básico da Constituição, mas também um grande investimento de alto retorno para os estados.