Revista Vertigem

O que não te disseram sobre o que você já ouviu

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Entrevista

Como a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China afeta o Brasil?

Victoria Ferro

25/03/2025 às 11:30h

Economista afirma que o conflito pode ser uma oportunidade para que o Brasil amplie as suas exportações, mas alerta sobre a importância de controlar a oferta interna

  • Entenda o conflito:

A disputa entre os Estados Unidos e a China pelo monopólio do comércio mundial está em curso desde o ano de 2018, diante da primeira vitória de Donald Trump à presidência dos EUA. Desde o período em questão, Trump adotou uma política comercial protecionista, impondo tarifas e barreiras comerciais à China, sob alegação de pôr fim a práticas comerciais ilegais e combate ao roubo de propriedade intelectual. 

Nos últimos 4 anos, considerando a passagem de Biden pelo governo da maior potência cultural do mundo, foi observado um movimento mais brando e diplomático das relações comerciais entre os países. Em contrapartida, com uma possível segunda vitória nas eleições subsequentes, Trump levantou uma bandeira de “paz” para a China, evidenciando sua intenção de restabelecer as relações comerciais com o país ao dar a entender que haveria reduções nas sanções em seu mandato. 

Porém, seguido de sua vitória, Trump imediatamente anunciou tarifas de 10% sobre produtos importados da China; a resposta do governo chinês foi uma série de barreiras e retaliações comerciais a importados dos EUA.

Ainda que os embargos e retaliações econômicas de ambos os países possuam como base um suposto caráter protecionista e de independência comercial, há determinados produtos que, mesmo que o mercado interno de ambas as nações consiga produzir, terão seu custo aumentado, prejudicando tanto o consumidor, quanto às bases comerciais dos países em processos inflacionários.

  • Como o conflito afeta o Brasil?

Pensando em ambas as nações como fortes parceiras comerciais do Brasil, uma questão que surge é: como a política econômica brasileira poderia ser impactada diante desse cenário de guerra comercial?

Em entrevista realizada pela Vertigem, o economista e investidor Guilherme Zorzal respondeu a algumas questões trazidas para tentar compreender o cenário geopolítico mundial e o papel atual do Brasil enquanto uma das dez maiores potências econômicas globais.

Confira a entrevista na íntegra:

Qual papel o Brasil poderia assumir diante da guerra, a nível comercial? Temos capacidade econômica de oferecer produtos para substituir a escassez nos países envolvidos na guerra comercial?

“Devido às tarifas impostas pelos EUA e China, o Brasil pode, sim, expandir as suas exportações para ambos os países, aproveitando as lacunas deixadas na cadeia de suprimento global. No entanto, a imposição de tarifas norte-americanas sobre produtos brasileiros, como a tarifa de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio, dificultam a ampliação de exportações industriais brasileiras para os EUA. Por outro lado, a China, em resposta às sanções dos EUA, impôs tarifas sobre os produtos agropecuários americanos – tarifas que não existem sobre os produtos brasileiros – como frango, soja, algodão e milho, o que abre uma oportunidade para que o Brasil aumente as exportações desses itens, sendo os EUA o maior produtor de soja da China. Além disso, países como o México e o Canadá buscam diversificar fornecedores para reduzir sua dependência dos EUA, podendo se tornar mercados estratégicos para o Brasil. Contudo, a viabilidade desta expansão depende da capacidade de aumentar a produção de commodities sem comprometer a oferta interna, pois caso haja uma exportação excessiva, a disponibilidade desses produtos no mercado doméstico pode diminuir. Num cenário de inflação crescente, isso pressionaria ainda mais os preços internos dos alimentos. Por isso, é essencial que o Governo Federal monitore o equilíbrio entre exportações e o abastecimento interno do país, para garantir que o crescimento externo das vendas não prejudique o poder de compra dos brasileiros.”

Considerando que a cotação comercial do Brasil é feita em dólar, porém, o bloco econômico que o país integra é o BRICS, não seria possível criar uma moeda única para valorizar o produto interno e para exportação de nosso país? 

“O debate sobre a criação de uma moeda do BRICS tem criado força como uma tentativa de reduzir a dependência global do dólar por membros do grupo. Essa moeda, originalmente, seria apenas para transações dentro do grupo, mas poderia ser, no futuro, uma opção de moeda local para estes países. Analisando uma perspectiva de como isso beneficiaria o Brasil: pensando que o país utiliza o real para transações internas, a adoção de uma nova moeda não necessariamente valorizaria os produtos brasileiros no mercado internacional. O principal benefício de uma moeda comum de um bloco econômico seria a redução dos custos cambiais e a maior facilidade nas transações comerciais entre os países do bloco. Entretanto, há desafios estruturais significativos às diferenças entre as políticas econômicas dos países membros, e seus diferentes níveis de desenvolvimento dificultam a criação de um sistema monetário integrado a curto prazo. Como alternativa viável, o BRICS tem incentivado o uso de moedas locais em transações bilaterais. Um exemplo concreto ocorreu no ano de 2023, quando Brasil e China realizaram a sua primeira transação comercial diretamente em reais e yuans – a moeda chinesa – sem a necessidade de conversão para dólares. Este modelo pode ser uma solução intermediária para fortalecer a autonomia dos países do bloco sem os desafios complexos da criação de uma moeda única.”

Criar uma moeda própria dos BRICS não poderia ajudar a controlar a inflação?

O Brasil já possui a sua própria moeda: o real. O país controla a sua inflação por meio de políticas monetárias conduzidas pelo Banco Central, utilizando taxas de juros e controle da base monetária, além da política fiscal do Governo Federal, que influencia a inflação por meio do controle de gastos públicos e estima a positividade. Os países do BRICS possuem políticas monetárias muito distintas. A China, por exemplo, controla rigidamente a sua moeda, enquanto o Brasil precisa de flexibilidade para lidar com a sua inflação historicamente mais alta em comparação aos outros países. Essa disparidade torna extremamente complexo alinhar políticas de juros, inflação e câmbio entre os países do bloco, além de outros países, que têm suas próprias políticas monetárias. Caso o Brasil adotasse uma moeda comum do BRICS como sua moeda local, perderia o controle de sua política monetária, pois decisões sobre taxas de juros e emissões em dinheiro estariam sujeitas a regras do bloco. Este cenário já ocorreu com países da zona do euro, como Itália e Grécia, que enfrentaram crises econômicas pois não podiam desvalorizar suas moedas, nem ajustar suas taxas de juros conforme as suas necessidades econômicas. Dessa forma, uma moeda única poderia comprometer a capacidade do Brasil de reagir a choques inflacionários e crises econômicas, tornando-se um risco ao invés de uma solução.

Caso o BRICS criasse uma moeda própria, de qual maneira você acha que os Estados Unidos poderiam reagir em suas relações com o Brasil?

“Os EUA, especialmente sob esse segundo mandato do governo Trump, vê qualquer tentativa de reduzir a influência do dólar como uma ameaça geopolítica que precisa ser combatida, podendo responder com retaliações econômicas a uma possível criação de uma moeda do BRICS. Caso o Brasil apoiasse abertamente a criação de uma moeda do BRICS, os EUA poderiam reagir de diversas formas, incluindo tarifas sobre as exportações brasileiras, restrições de acesso ao mercado americano e pressão sobre os parceiros comerciais do Brasil, como países europeus, para não aderirem ao projeto. Em 2025, Trump já ameaçou sobretaxar em até 100% os produtos dos países que tentam eliminar o dólar, além disso, setores estratégicos brasileiros como o aço, que exportam cerca de 35% de sua produção para os EUA, podem sofrer sanções comerciais ou restrições financeiras de países aliados aos EUA. Por essa razão, o Brasil tem que adotar uma posição diplomática equilibrada, fortalecendo sua autonomia comercial e financeira, sem romper com os EUA. A estratégia mais viável é expandir o uso de moedas locais em transações bilaterais dentro do BRICS sem criar um embate direto contra o dólar. Dessa forma, o Brasil consegue manter a sua competitividade global, evitando retaliações severas e preservando boas relações, tanto com Washington, quanto com Pequim.”

Matéria escrita por Victoria Ferro

Revisão e Diagramação por Luara Gagliardi