Revista Vertigem

O que não te disseram sobre o que você já ouviu

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A inflação dos alimentos no Brasil: causas, consequências e perspectivas para 2025

Ricardo Silveira da Paixão

Mestre em Economia, doutorando em Educação

25/03/2025 às 10:44h

A inflação dos alimentos é um dos componentes mais sensíveis e socialmente perversos da dinâmica inflacionária, pois atinge de forma mais contundente as camadas de menor renda da população, que destinam uma parcela significativa de seu orçamento ao consumo de itens básicos de alimentação. Esse fenômeno se caracteriza pelo aumento persistente e disseminado dos preços de alimentos in natura, semielaborados e industrializados, compondo um dos principais grupos do Índice de Preços ao Consumidor (IPC). Quando os alimentos sobem de preço, o impacto é imediato no cotidiano das famílias, pois trata-se de um consumo essencial, inadiável e com baixa substituição.

No caso brasileiro, a inflação dos alimentos tem sido impulsionada por um conjunto de fatores estruturais e conjunturais. Entre os fatores estruturais, destaca-se a vulnerabilidade do sistema produtivo agrícola a condições climáticas adversas, como secas, geadas e enchentes, que têm se intensificado nos últimos anos em virtude das mudanças climáticas. O fenômeno El Niño, por exemplo, tem afetado de forma expressiva o regime de chuvas em diversas regiões produtoras, reduzindo a produtividade de culturas como arroz, feijão, milho e hortaliças. Soma-se a isso a dependência do Brasil de fertilizantes e insumos importados, cujo preço é fortemente influenciado pela taxa de câmbio e pelas tensões geopolíticas internacionais, como os conflitos no Leste Europeu e no Oriente Médio, que afetam o fornecimento global de energia e fertilizantes.

Do ponto de vista conjuntural, o aumento das exportações de alimentos, especialmente de grãos e carnes, pressiona os preços no mercado interno. Isso ocorre porque, diante da valorização do dólar e da alta demanda externa — notadamente da China —, os produtores brasileiros priorizam a exportação, reduzindo a oferta de produtos no mercado doméstico. Ao mesmo tempo, a elevação dos custos logísticos, impulsionada pelo aumento do preço dos combustíveis, encarece o transporte e a distribuição dos alimentos, especialmente para regiões mais distantes dos centros produtores. A desarticulação de políticas públicas voltadas ao abastecimento, como a redução dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e o enfraquecimento de programas de apoio à agricultura familiar, também contribui para a instabilidade de preços e a dificuldade de resposta diante de choques de oferta.

Para enfrentar esse cenário, é imprescindível a adoção de um conjunto de medidas articuladas. No curto prazo, o governo pode recorrer ao uso estratégico dos estoques públicos, recompondo estoques de segurança de produtos básicos, como arroz, feijão e milho, a fim de intervir nos mercados em momentos de escassez. A ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o fortalecimento das redes de comercialização direta, como feiras livres e centrais de abastecimento, também podem contribuir para melhorar o acesso e reduzir a volatilidade de preços. 

No médio e longo prazo, torna-se necessário investir em infraestrutura logística — estradas, armazéns, transporte ferroviário — e em tecnologia agrícola, especialmente voltada à resiliência climática das lavouras. É fundamental, ainda, apoiar a agricultura familiar com crédito acessível, assistência técnica e programas de garantia de preço mínimo, assegurando uma produção diversificada e regionalizada de alimentos.

As perspectivas para os preços dos alimentos ao longo de 2025 dependerão da evolução de diversos fatores, tanto internos quanto externos. A expectativa é de que, com a possível normalização do regime de chuvas após o fim do fenômeno El Niño, haja uma recuperação gradual da produção agrícola em algumas regiões, o que pode contribuir para a moderação dos preços a partir do segundo semestre do ano. Contudo, ainda persistem riscos consideráveis: a continuidade de conflitos internacionais, a pressão cambial, a alta dos custos de produção e os efeitos acumulados da mudança climática podem manter os preços voláteis e acima da média histórica. Além disso, o ritmo da retomada econômica e a política monetária adotada pelo Banco Central — especialmente em relação à taxa de juros e ao controle da inflação geral — terão influência decisiva sobre os custos de crédito e os investimentos no setor agroalimentar.

Ricardo Paixão

Economista, Mestre em Economia e Doutorando em Educação – UFES

Professor Efetivo da FACELI

Conselheiro do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo