Revista Vertigem

O que não te disseram sobre o que você já ouviu

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‘A gente escolhe a comida ou o remédio’ diz mãe solo que vivencia diariamente a inflação dos alimentos

Eduarda Fernandes e Guilherme Kaiser

07/04/2025 às 13:29h

Taiz Rodrigues da Silva, mãe solo de 3 filhos e moradora de Nova Canaã, em Cariacica, trabalha como vendedora autônoma em casa e recebe o benefício do Bolsa Família. No entanto, o custo de vida hoje se tornou tão alto que o valor é insuficiente.

“Eu acho que eu conseguia comprar mais coisas há dois anos atrás do que esses tempos agora. Sempre falta alguma coisa que as crianças estão precisando. Esses dias pra trás, as crianças passaram mal, eu tive que comprar remédio e faltou para a comida.” explica Taiz, em tom de revolta.

A situação de Taiz não é um caso isolado e revela um problema que tem afetado cada vez mais a vida do trabalhador brasileiro. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Jones dos Santos Neves, em janeiro de 2025 as taxas de inflação registradas na Região Metropolitana da Grande Vitória em comparação com dezembro superaram as médias nacionais. O tomate foi o produto que ficou mais caro, chegando a um aumento de 49,29% do seu preço.

Por conta disso, muitas pessoas têm se visto obrigadas a mudar os hábitos alimentares de suas casas, passando a evitar produtos mais caros para tentar fazer com que o salário possa cobrir todas as despesas do mês. Este foi o caso de Taiz que, dentre outras coisas, cortou o café e teve que trocar a carne por ovo.

O caso do “Café Fake”


Um dos outros problemas que a inflação gera é que muitos brasileiros têm recorrido à compra de produtos similares aos originais como as misturas lácteas, óleo composto de oliva e o pó para preparo de bebida sabor café ou “Café Fake” – nome que se popularizou nas redes sociais – que são produtos significativamente mais baratos, porém apresentam composição e origem duvidosa.


De acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), no varejo, o café chegou a custar mais de R$50,00 por quilograma em janeiro de 2025. Em comparação, o pacote de 500g de uma marca de pó saborizado de café poderia ser encontrado no mercado por R$13,99, fator que ocasionou a maior procura pelo mais barato. Ainda de acordo com a ABIC, o produto não tem registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser comercializado. 

FONTE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DO CAFÉ (ABIC)

De acordo com o secretário-executivo do Centro do Comércio de Café, Sandro Rodrigues, o principal fator que levou ao aumento do preço do café foram as condições climáticas adversas que afetaram países como a Indonésia e o Vietnã, grandes produtores internacionais do grão. Por isso, o custo logístico se tornou muito alto para transportar seus cafés para a Europa, o que levou a um crescimento exponencial do preço do café nas bolsas internacionais, afetando fortemente o Brasil e, em especial, o Espírito Santo, que é o segundo maior produtor de café do país.

Apesar dos fatores econômicos envolvidos na inflação dos alimentos, é evidente que a combinação da crise climática e a dinâmica de exportação e logística do Brasil criaram um cenário decadente para o consumo interno, não apenas para o caso do café mas para inúmeros outros produtos.

‘Se Você […]Desconfia que tal produto está caro, você não compra’

Em entrevista a rádios da Bahia no início de fevereiro, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que um processo de autoeducação fosse praticado pelos brasileiros ao se depararem com altos preços dos alimentos nas prateleiras. Tal fala, ironizada pela oposição e articulada estrategicamente para ferir (ainda mais) a imagem sensível do presidente, impõe uma responsabilidade desnecessária ao consumidor. Mesmo que o processo de educação financeira na compra de alimentos seja necessário para a regulação dos preços impostos por grandes empresas, é importante analisar os fatores inerentes a economia e significativamente mais impactantes no valor final dos produtos. 

A sugestão de Lula surge em um contexto instável da economia brasileira no qual muitos indivíduos apresentam dificuldade de compreensão do que realmente causa a inflação. Se ignorarmos os números, a verdade é que o cidadão sente o impacto no poder de compra. Os preços elevados em produtos comuns na rotina dos brasileiros têm pesado no orçamento das famílias, reduzindo o acesso a itens essenciais e fazendo com que o consumidor precise readequar o estilo de consumo. 

“Uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo. Se você vai no supermercado e desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tiver a consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar para vender, porque senão vai estragar”, afirma Lula. 

Apesar da inconveniente fala do presidente, que se mantém controversa em amplos pontos, destaca-se o aumento do salário mínimo e o aumento da demanda interna como razões principais para o consequente aumento dos preços. 

“O povo não pode ser extorquido. As pessoas não podem tirar proveito porque o povo está comprando. A pessoa sabe que a massa salarial cresceu, então aumenta o preço, a pessoa sabe que o salário mínimo aumentou, então aumenta o preço. Não. É preciso que se tenha responsabilidade em todos os setores da cadeia produtiva, ninguém pode explorar ninguém.”

O salário mínimo 

Você sabia que no Artigo 1 do Decreto-Lei n° 2.162/40 é estabelecido que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir todas as despesas de um trabalhador e da sua família?

Art. 1º Fica instituído, em todo o país, o salário mínimo a que tem direito, pelo serviço prestado, todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, como capaz de satisfazer, na época atual e nos pontos do país determinados na tabela anexa, às suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) estima que em janeiro de 2025 o valor do salário mínimo necessário para a manutenção de um trabalhador e sua família deveria ser de R$ 7.156,15. A alimentação deveria representar uma parcela de no máximo 30 a 35% do rendimento. Em dezembro de 2024, quando o salário mínimo era de R$ 1.412,00, o valor necessário era de R$ 7.067,68 e correspondeu a 5,01 vezes o piso mínimo. Já em janeiro de 2024, deveria ter ficado em R$ 6.723,41 ou 4,76 vezes o valor vigente. 

Os números acima apenas deixam quantificados aquilo que já sabemos: o salário mínimo (mesmo que tenha sofrido aumento em 2025) por si só é incapaz de suprir todas as despesas do trabalhador e a maior parcela do montante vai para a compra de alimentos. Tendo em vista que muitas famílias não conseguem equilibrar os gastos com a base salarial de R$1.518,00 vê-se necessário o aumento significativo da remuneração que acompanhe as necessidades de demanda e oscilação dos preços no mercado interno. 

Além disso, muitos brasileiros encontram-se hoje sem a oportunidade de ter um trabalho formal, seja pelas péssimas condições de trabalho vigentes no mercado atual ou mesmo por questões sociais, ficando totalmente dependentes de auxílios governamentais ou de serviços informais. O problema é que estes valores de assistência financeira, usualmente, são inferiores ao valor do salário mínimo. O que é o caso de Taiz, mencionada anteriormente. Ela explica que sua renda mensal baseia-se principalmente no valor de R$960,00 proveniente do Bolsa Família e que os custos de aluguel, mercado, água, luz e outras contas a colocam numa situação desesperadora em sentido financeiro.

“Nem todo mundo teve a oportunidade de estudar, de ter uma profissão que ganha bem […] As crianças precisam de ser alimentadas, de comer bem, para poder também estar aí na escola, também a gente ter uma condição de pagar uma aula de balé ou de futebol e outras coisas, né. E também comprar os remédios, que às vezes a gente fica sem condição de comprar o remédio. A gente escolhe a comida ou o remédio, quando passa mal”, conta Taiz.

Em entrevista, a economista do DIEESE Sandra Bortolon fala sobre como a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (PNCBA) – realizada desde 1959 e acompanha o valor médio de 13 itens essenciais de alimentação nas 26 capitais e no Distrito Federal – serve como apoio para a reivindicação de melhorias na remuneração salarial e benefícios trabalhistas. No entanto, Sandra reforça que a referência salarial apontada pelo DIEESE serve apenas como base para a negociação coletiva dos reajustes e que nenhum órgão público garantiria o pagamento efetivo do salário mínimo ideal baseado no Decreto de Lei citado anteriormente. Por fim, a economista destaca os três principais culpados pela oscilação dos preços: os extremos climáticos, a taxa de câmbio e a taxa de juros que cria um ambiente propício à exportação de produtos. 

Medidas de combate à inflação

De acordo com a presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elisabetta Recine, uma das melhores formas de combater a inflação internamente seria favorecer a agricultura familiar por garantir acesso à terra para plantio, ampliar o acesso a recursos, fornecer assistência técnica e compras públicas para a recuperação e ampliação da área de plantio com foco nos produtos que compõem a cesta básica.


Para ela, a agricultura familiar tem este potencial porque se encontra em todas as regiões do Brasil, produzindo de maneira diversificada e em pequena escala, tendo mais proximidade com os consumidores locais e, em especial, seus preços não estão atrelados ao câmbio de moedas estrangeiras.


Atualmente, já existem medidas para combater a inflação, mas é necessário o aceleramento da implementação de suas ações previstas a fim de minimizar o impacto no consumidor comum. É o caso do Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Planaab), lançado pelo presidente Lula com o objetivo de estruturar um sistema eficiente e sustentável de abastecimento de alimentos no país, com foco nas populações mais vulneráveis, a partir do fortalecimento da agricultura familiar e da produção de alimentos saudáveis.

Além disso, a Presidenta do Consea ainda afirma que devem ser aplicadas outras iniciativas como a ampliação da capacidade de manutenção de estoques reguladores e a ampliação do orçamento e do fomento com prioridade para a agricultura de produtos da cesta básica. Para ela, é necessário que haja um direcionamento de recursos para os pequenos produtores de base familiar e camponesa a fim de aumentar sua produção e produtividade, especialmente para os itens da cesta básica.

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Reportagem por Eduarda Fernandes e Guilherme Kaiser 

Revisão por Maria Luiza Favalessa

Diagramação por Luara Gagliardi