Revista Vertigem

O que não te disseram sobre o que você já ouviu

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O Cinema e a Arte na periferia do capitalismo

Lucas Ogawa

26/03/2025 às 09:17h

Não há uma única pessoa que não ouviu falar, à exaustão, das indicações e, mais recentemente, da vitória do filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, na cerimônia do Oscar 2025, levando a categoria de Melhor Filme Internacional. E pudera: há toda umanarrativa social e política em torno deste filme e como ele é a representação do cinema na periferia do capitalismo. Desde a polêmica do prêmio “roubado” da mãe de Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, em 1999 para Gwyneth Paltrow até a polêmica do filme ter
sido dirigido por um dos herdeiros do Banco Itaú, o filme faz tudo aquilo que a arte deve se propor: levantar discussões pertinentes, construir uma identidade artística de um país perante o mundo e, claro, contar uma boa história – esta não necessariamente feliz.
Com uma bilheteria mundial de quase 35 milhões de dólares, notas espetaculares em agregadores de críticas como IMDB e Rotten Tomatoes, o filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, se tornou mais um enorme sucesso de um diretor já muito prestigiado nacional e internacionalmente. E na corrida do Oscar de 2025 uma narrativa envolvendo o mesmo diretor se tornou a pedra angular da campanha tanto do filme: o famigerado Oscar roubado da Fernanda Montenegro. Para resumir: a atriz Fernanda Montenegro, mãe de
Fernanda Torres, era a grande favorita para levar a estatueta de melhor atriz em 1999.
Porém, quem acabou levando foi Paltrow em uma jogada de marketing iniciada pela equipe de Harvey Weinstein (sim, esse Weinstein). Tal campanha foi tão bem sucedida que o Oscar, mais do que nunca, se tornou uma competição mais política do que artística. De qualquer forma, a narrativa estava dada: Torres iria vingar a mãe mais de 20 anos depois, e se consagrar como a herdeira do cinema brasileiro em um palco internacional.
Como todos sabemos, não foi isso que aconteceu. Mickey Madison levou o Oscar de melhor atriz enquanto Anora também garantiu o melhor filme da noite, restando ao Brasil apenas melhor filme internacional. O que já é uma grande vitória, historicamente. Mas o que isso significa na prática?
O cinema brasileiro é riquíssimo e sempre foi uma grande referência na América Latina e para intelectuais no mundo inteiro, embora não tanto um sucesso comercial. “Ainda Estou Aqui”, de fato, foi um sucesso comercial, catapultou Fernanda Torres para o estrelato internacional onde Wagner Moura já se encontra desde Guerra Civil (2024) – embora construindo desde Elysium (2013), Narcos (2015) e Gato de Botas: O Último Desejo (2022) – e levou novamente o cinema brasileiro para a boca do mundo. Há apenas um problema nisso: não importa a qualidade da arte, tampouco o carisma de seus artistas. No capitalismo, a periferia sempre está sujeita à validação formal do centro e, sem esta, impõe-se grandes obstáculos para sua própria existência internacional.
Por que ficou-se uma sensação ruim de não levar o Oscar de melhor filme? Além da celebração óbvia do nosso cinema, mas sim um ar de que a existência do nosso cinema é condicionada à validação exterior – que o nosso filme e o nosso cinema seria mais vivo caso ganhasse um homenzinho de ouro pelado. E o lado do Oscar segue sendo um grande juiz da qualidade do cinema mundial, ao mesmo tempo que a esmagadora maioria das
premiações sejam dadas a filmes norte-americanos. A semiótica é óbvia, corroborando com uma delimitação política que firma que está no poder e quem está em posição de submissão. É como se os Estados Unidos dessem uma “medalha de reconhecimento” para os latinos, asiáticos e demais estrangeiros que apresentassem algo que provasse que não são animais que servem apenas para gerar valor através de mão de obra barata ou como cultura exótica. Ganhar o Oscar seria um ato de reconhecimento, sim, mas que esse reconhecimento não seja circunstancial, mas sim substancial, pela nossa grandeza e relevância.
Nenhum discurso se sobrepõe à realidade material. Em matéria mais urgente, o de fato vencedor do Oscar de Melhor Documentário No Other Land (2024) e inúmeros outros prêmios dentro e fora dos Estados Unidos, não conseguiu até hoje uma grande distribuidora no país ianque. O motivo? Escancara a relação de colonização, expropriação de terras e genocídio a céu aberto cometido por Israel contra a Palestina. Ou seja, embora esteja
validade como arte para o Oscar e seus votantes, a periferia do capitalismo sucumbe perante as barreiras da realidade socio-política.
Mais recentemente, na segunda-feira (24), o co-diretor de No Other Land, Hamdam Ballal, foi espancando por colonizadores israelenses mascarados em sua aldeia, na Cisjordânia, em uma ação recorrente dos invasores. Após entrar em uma ambulância, o premiado cineasta desapareceu, e o ocorrido foi noticiado pelo co-diretor do filme, o jornalista israelense Yuval Abraham. No dia seguinte, terça-feira (25), jornalista afirmou que Ballal foi
solto, tendo passado a noite na prisão, vendado e algemado. De nada adiantou ser um cineasta ganhador de Oscar, de nada adianta ser validado artisticamente por uma elite econômica e artística quando se faz parte da periferia absoluta do capitalismo.
Então sim, ter ganhado o Oscar de melhor filme, o Oscar de melhor atriz para Fernanda Torres, filha da injustiçada Montenegro, teria sido lindo. E termos ganhado o Oscar por melhor filme estrangeiro foi lindo. Lançou luz internacional ao Brasil, ao nosso cinema, ao nosso povo e à nossa história. Mas não nos limitemos pelos holofotes de outrém, mas que a luz seja emitida de nós – o país de um cinema absoluto, imponente por natureza, e valoroso por si só.